quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

"Sem eficiência não há petróleo"



Helge Lund, presidente do gigante norueguês Statoil, diz que só os mais inovadores sobreviverão e informa que o governo não se mete na estatal: "Se não der lucro, me mandam embora"

Malu Gaspar

Presidente da petrolífera Statoil, a maior estatal da Noruega e um dos gigantes mundiais do setor, Helge Lund, 50 anos, diz coisas que podem soar inacreditáveis para um brasileiro. Primeiro: garante que não sofre pressão alguma, nem do governo, nem do Parlamento, para fazer seu trabalho. Segundo: todas as decisões relativas à empresa são regidas pelas leis de mercado com o objetivo de alcançar resultados cada vez mais expressivos. "Os políticos de meu país acreditam que o melhor para todos é que a companhia seja eficiente e competitiva", afirma Lund, que assumiu o comando da Statoil em 2004. Desde então, ela se transformou, de um negócio eminentemente local, em uma multinaciona! com 30% da produção vinda do exterior. No Brasil, onde está sua operação mais importante fora da Noruega, explora áreas do pré-sal, em sociedade com a Petrobras. Lund vê grandes ineficiências que, na sua opinião, são um entrave à exploração dessa riqueza no país. Em sua passagem pelo Rio de Janeiro, ele deu a VEJA a seguinte entrevista.

A Noroega é citada como a grande fonte de inspiração para o novo modelo expioratório do pré-sal brasileiro. A comparação faz jus à realidade? Até certo ponto, sim. Os dois países compartilham da compreensão de que os recursos naturais devem se converter em riqueza permanente e possuem estatais que atuam como indutoras da indústria do petróleo. Mas uma diferença significativa nos distancia: a Statoil não tem direito automático sobre todas as áreas exploratórias, como a Petrobras, que recebe pelo menos 30% de cada bloco licitado. Na Noruega, temos de competir com gigantes multinacionais como Exxon, Shell, BP e Chevron. E também podemos decidir em quais licitações entrar. Isso é bom para a empresa, porque não nos obriga a assumir negócios que não nos interessam, e benéfico à economia do país. A lógica que nos rege não é a da reserva de mercado, mas a da busca da eficiência. Felizmente, há um razoável consenso entre os políticos noruegueses de que a competição é um valor inabalável.

Quais foram os efeitos da política de conteúdo local mínimo adotada na exploração do petróleo norueguês? Na primeira década, exigia-se das petroleiras a compra de até 60% dos equipamentos produzidos no país. Aos poucos, conforme essas empresas foram se expandindo e se tomando realmente competitivas, o porcentual foi caindo, caindo, até se extinguir de vez. O interessante é que os fornecedores locais continuaram a ser parceiros preferenciais das petroleiras de fora. Só que isso não ocorreu por questões de viés nacionalista,mas, sim, porque eles são hoje os melhores do mercado.

Então o senhor acha natural que o país pague mais caro pelos equipamentos do pré-sal em nome da criação de uma indústria local? A exigência do conteúdo nacional se tomou um tema central em todos os países onde a exploração de petróleo é fonte importante de riqueza, como a Rússia, de onde acabo de voltar, ou Angola, onde produzimos 190000 barris por dia. Não conheço ninguém que discorde da ideia de aproveitar a chance para consolidar uma indústria local. O grande debate hoje é justamente sobre como fazer isso com eficiência e competitividade. Do contrário, o esforço terá sido em vão.

Como fazer com que empresas que têm reserva de mercado busquem eficiência e se tomem competitivas? Um bom marco regulatório, que lhes imponha metas e estabeleça um prazo para o fim dos subsídios, já é um bom começo. Mas é preciso, antes de tudo, criar meios para que a busca pela competitividade se tome parte indissociável da cultura das companhias que recebem um empurrão do estado. É um processo lento, gradual, que depende ao mesmo tempo delas, das agências reguladoras e do próprio governo. Na Statoil, somos obrigados a pensar nisso todos os dias. Pagamos 78% de impostos sobre a atividade petrolífera. É impossível sobreviver e dar lucro aos acionistas sem ganhar eficiência e baixar custos. Os políticos nos deixam trabalhar guiados pelas leis de mercado por entender que, quanto mais crescemos, mais impostos pagamos.

A Statoil está preocupada com os altos custos de explorar petróleo no Brasil? Nós e todas as outras empresas. Na minha posição, tenho de observar atentamente os gargalos com os quais convivemos mundo afora. A indústria de óleo e gás está operando a plena capacidade. É esperado, portanto, que haja escassez de certos recursos. Minha maior preocupação diz respeito à falta de engenheiros - não apenas no Brasil, mas em âmbito global. É um problema que me aflige porque não tem solução imediata. Para se ter uma ideia, são necessários de oito a nove anos para formar um engenheiro realmente bom. O Brasil precisa de muitos deles, mas o pior entrave à atividade petrolífera brasileira ainda é a ineficiência.

Quais são as evidências disso? Há hoje no Brasil setores que funcionam de forma muito mais eficaz e sem desperdícios, como por exemplo a indústria automobilística. Mas na área do petróleo o Brasil tem ainda de avançar muito. A começar pela relação entre as petroleiras e sua enorme cadeia de fornecedores. Não é preciso nada de muito mirabolante aí. Uma boa iniciativa seria adotar padrões mais universais de operação, de máquinas a métodos que possam vir a ser replicados por toda a indústria, para ganhar escala e reduzir custos.

O senhor poderia dar um exemplo prático? Há dois anos, a Statoil tinha vários campos de tamanho médio relativamente próximos uns dos outros, mas cada um comprava suas próprias máquinas e contava com uma estrutura própria. Montamos então uma central única para adquirir vários equipamentos de uma vez só e criamos um time comum de engenharia e projetos para atuar em diversos campos ao mesmo tempo. Conseguimos assim baixar em 30% os custos e reduzir à metade o tempo entre o início da atividade exploratória e a produção propriamente dita. Há que pensar sobre que iniciativas se aplicariam melhor ao caso brasileiro, mas é esse o tipo de raciocínio que precisa ser adotado.

A Statoil não sofre interferência do governo e dos políticos? Não. O governo norueguês tem 65% das ações, mas apenas um único representante no comitê que nomeia os conselheiros. Em 2001, quando passamos a vender ações na bolsa, o estado norueguês assumiu publicamente o compromisso de nunca, sob hipótese alguma, tentar arbitrar os rumos da companhia. Minha obrigação é gerar valor para os acionistas. Se falhar, o governo me manda embora. Se não fosse assim, jamais teríamos conseguido quintuplicar a produção na área internacional na última década.

O senhor já teve motivos para temer uma intervenção do estado na condução dos negócios? Tive. Em 2007, decidimos fundir a Statoil com a divisão de óleo e gás de outra grande empresa norueguesa, a Norsk Hydro. No início, houve resistências, porque se imaginou que a fusão iria provocar demissões em massa. Mas, ao analisar o negócio como acionista, o governo entendeu que era estrategicamente importante e lógico, já que traria mais lucro, e acabou aprovando. Outro assunto que gerou muito debate foi a entrada da Statoil na exploração do petróleo das areias betuminoSas do Canadá, atividade que emite muito gás carbônico. Na ocasião, houve intensa polêmica e muitos políticos foram à imprensa dizer que queriam a Statoil fora do Canadá. Mas ninguém no governo nos pediu nada, porque respeitam o sistema de governança que eles próprios construíram.

A Statoil não precisa pedir autorização ao governo para aumentar o preço dos com· bustíveis? Claro que não. O preço dos combustíveis deve ser regulado pelo mercado global, não pelo governo. Vendemos nossos produtos no exterior e estamos bem cientes de que os valores no mercado interno devem refletir as cifras internacionais.

O senhor acha temerário que o governo brasileiro interfira no preço dos combustíveis? Não atuamos na área de combustíveis no Brasil. O que posso dizer é que, de modo geral, deve haver uma coerência entre os preços cobrados no mercado interno e no externo.

A indústria petrolífera opera em países onde há muita corrupção. Como a sua empresa lida com isso? Há poucos fatores que podem realmente ameaçar a sobre\ ivência de uma companhia como a Statoil. Um deles é um acidente de grandes proporções ou um desastre envolvendo vidas humanas. Outro é um escândalo como o que nos atingiu no início dos anos 2000. Esse é omotivo, aliás, por que estou aqui. Na época, houve uma denúncia de corrupção envolvendo funcionários nossos no Irã. O presidente do conselho, o CEO e o chefe de operações internacionais tiveram de sair. Ao assumir o cargo, eu me empenhei em tentar consolidar valores e construir um sistema de controle mais severo contra as más práticas. O principal está em um guia que contém as diretrizes da empresa e instruções bem precisas sobre como agir em cada caso. Em uma companhia com 20000 funcionários, não há como garantir que não vá acontecer outra vez. Mas acredito que adotar um regime de total intoletância com esse tipo de prática pode inibir a sua reprodução.

O que estabelece o guia anticorrupção da Statoil? Sabemos que não basta dizer ao funcionário que ele será demitido caso se envolva em algum esquema, porque as pessoas sempre podem nos enganar. Por isso, criamos regras que compelem cada empregado a levar questões embaraçosas a escalões superiores, para que sejam discutidas de forma clara e aberta. Analisamos cada caso individualmente. É comum nosso pessoal receber pedidos de pagamento para liberação de bagagem em aeroportos, por exemplo. Isso é terminantemente proibido. Mas pode acontecer de alguém do nosso staff correr risco em algum lugar e sua vida depender de uma propina. Nesse caso, se for uma questão de vida ou morte - e se a decisão for tomada por um conjunto de pessoas -, o pagamento poderá, sim, ser feito, mas a companhia terá de tratar o assunto com toda a transparência junto a seus investidores, explicando as razões. Dividindo o problema fica mais fácil chegar às decisões corretas. Se, ao contrário, o funcionário tiver de conduzir tudo sozinho, a probabilidade de erros só cresce.

Que lições a Statoil depreendeu até agora da convivência com a parceira Petrobras? A Petrobras deu um interessante exemplo de persistência no caso do présal. Meus funcionários me contaram que, muitos anos atrás, a Statoil foi chamada a participar, como sócia, de alguns dos blocos que a estatal brasileira hoje explora. Rejeitamos a proposta. O risco era alto demais. A Petrobras acabou ficando sozinha nessas áreas e abriu uma oportunidade única, daquelas que raramente aparecem. Alguns executivos da companhia até hoje querem nos beijar cada vez que nos veem, por causa de nossa desistência no passado. Eles apostaram no pré-sal quando ainda era uma fronteira muito incerta e agora estão sendo recompensados. Estou muito impressionado com o tamanho do desafio de extrair essa riqueza de lugares tão remotos. A logística envolvida na operação é complexa. Os campos estão muito distantes da costa. Transportar as máquinas e os suprimentos é difícil, chegar às profundezas do oceano, mais ainda. Mas é algo que já está ao alcance da indústria.

Do que depende o sucesso da empreitada? A única forma de dar conta da tarefa é investir em cérebros, tecnologia e inovação. Em outras palavras, o nome do jogo é eficiência. As grandes petrolíferas estão se transformando em organizações voltadas, de um lado, para ganhos de produtividade e, de outro, para a gerência de riscos. O pré-sal, assim como grande parte das novas fronteiras do petróleo, é uma espécie de laboratório desse futuro. A complexidade da aventura em busca do óleo negro se elevou exponencialmente. Isso não vale só para o pré-sal brasileiro, mas também para os poços de alta temperatura e pressão do Golfo do México ou para a extração de óleo do Ártico. Não há dúvida de que apenas os mais experientes, eficazes e capazes de inovar conseguirão prosperar.

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