domingo, 12 de junho de 2011

Um país em choque - Consequências do desastre natural e da imprevidência humana se farão sentir por muitos anos no Japão

 



. Por Antonio Luiz M. C. Costa
Duas semanas depois, começa a ficar mais clara a verdadeira dimensão da catástrofe que continua a abalar o Japão e o mundo, embora não chegue a justificar o terror apocalíptico que a mídia mais sensacionalista procura alimentar e explorar.
Foi sugerido, inclusive em programas de televisão de grande audiência, que um desastre como o de Fukushima pode repetir Chernobyl, que produziu centenas de vezes mais radiação que a bomba atômica de Hiroshima. É preciso esclarecer: isso é tecnicamente verdade, mas não significa que o acidente na usina ucraniana tenha sido pior que uma arma nuclear.
Chernobyl espalhou (segundo estimativas da AIEA) cerca de 400 vezes mais radiação que o Little Boy de 1945. Mas, pelo mesmo critério, a radiação absorvida por toda a população da Europa de fontes naturais é equivalente a seis Chernobyls por ano. Evidentemente, isso não significa que o continente sofra o equivalente a um bombardeio anual por mais de 2 mil bombas atômicas. Essa radioatividade natural é aceita como inofensiva, por ser difusa e permanente. A radiação de Chernobyl foi e é mais perigosa, por ser mais concentrada no tempo e no espaço, mas ainda assim não se compara com a concentração muitíssimo maior de uma bomba.
Nos primeiros dias de uma explosão nuclear, a radiação é centenas de vezes mais intensa que a de um acidente numa usina, para depois declinar para níveis comparáveis ou mais baixos. Dos 350 mil habitantes de Hiroshima, cerca de 160 mil morreram da explosão de 6 de agosto até o fim do ano de 1945 – 70 mil imediatamente, 60 mil de queimaduras e traumas e 30 mil de puro envenenamento radioativo – e mais 40 mil nos cinco anos seguintes. Estima-se que, além disso, mil morreram de câncer a longo prazo.
Em Chernobyl morreram algumas dezenas de pessoas nas primeiras semanas do acidente e algumas centenas até 1998. Estima-se que a radioatividade ambiental provocará quatro mil mortes adicionais (principalmente por câncer de tiroide) no longo prazo entre os 600 mil habitantes da região afetada.
A usina de Chernobyl tinha quatro reatores, um dos quais sofreu derretimento do núcleo. Os outros três continuaram a operar, mesmo depois que a população foi evacuada. Havia escassez de eletricidade na região e, apesar de os níveis de radiação serem insalubres, as autoridades decidiram manter a usina em funcionamento. Só foi definitivamente fechada em 1999, 13 anos depois do acidente e 8 depois do fim da União Soviética. Não se compara a Hiroshima, onde 69% da cidade foi arrasada e 7% seriamente danificada.
Isso também não significa, bem entendido, que a crise nuclear em Fukushima possa ser banalizada, embora o escritor e ambientalista George Monbiot tenha chegado, no Guardian, a escrever que ela é um bom argumento em favor do uso da energia nuclear, visto que após a combinação de um terremoto e tsunami gigantescos (a onda chegou a 23 metros, 14 ao impactar a usina) com um legado de projetos deficientes e gambiarras para reduzir custos, não houve nenhuma morte por radiação “até onde sabemos”.
Todos morrem mais cedo ou mais tarde, 20% a 30% por câncer (nos países ricos), mas não se pode dar de ombros ao risco de milhares de mortes desnecessariamente precoces e ao risco de morte por envenenamento radioativo a que estão expostos os cerca de 180 trabalhadores que permanecem na usina, tentando amenizar a catástrofe.
A contaminação radioativa na água de Tóquio, a 240 quilômetros de distância, bastou para o governo recomendar aos pais não a darem a bebês de menos de 1 ano. Leite, água e verduras a até 120 quilômetros de Fukushima mostram índices de radiação acima do normalmente tolerado. Também foi encontrado iodo radioativo na água do mar, ameaçando a indústria da pesca.
Os Estados Unidos e Hong Kong proibiram a importação de certos alimentos de várias províncias do Japão e 25 países retiraram suas embaixadas de Tóquio. Parte do território japonês pode se tornar imprópria para a agricultura e evitada para residência e turismo por muitos anos, desorganizando a vida de dezenas de milhares – talvez mais de 1 milhão de habitantes, se considerada a zona de exclusão de 80 quilômetros recomendada pelos EUA a seus militares e cidadãos no Japão, o quádruplo do indicado por Tóquio.
As usinas nucleares têm-se mostrado sistematicamente mais caras e menos duráveis na prática do que deveriam ser no papel e inviáveis sem subsídio estatal. Segundo um estudo de 2008 do Keystone Center, a energia que produzem tem custado 30 centavos de dólar por quilowatt-hora nos primeiros 13 anos e 18 no resto da vida útil, enquanto a maioria das fontes convencionais (inclusive hidroelétrica e eólica) custa menos de 10.
A vida útil estimada dos reatores sempre foi de 40 a 60 anos, mas, na prática, segundo Emico Okuno, do Departamento de Física Nuclear da USP, tem sido de 13,9 anos nos EUA, 13,8 na Alemanha e 19,6 na França, por razões econômicas ou acidentes menores que tornaram sua operação arriscada. A desmontagem de reatores é tão cara quanto sua construção. E isso sem falar nas perdas impostas ao Estado e a outros setores da economia por um acidente grave. Nem no custo de novas medidas para tornar um acidente menos provável, quando as normas existentes continuam a ser burladas.
A Tepco, operadora de Fukushima, teve de admitir a reincidência em negligência grave, razão pela qual tinha sido obrigada, em 2002, a paralisar suas usinas nucleares para revisão e demitir 35 executivos e técnicos. Há muito mais hastes de combustível usadas nos tanques de armazenamento do que tinham sido projetados para conter. Para tentar preservar os reatores, a empresa recusou a ajuda dos Estados Unidos e adiou por dias a decisão de resfriar os reatores danificados com água salgada (o que os inutiliza definitivamente), agravando o problema. A empresa também reconheceu que deixou de realizar inspeções obrigatórias de várias partes do equipamento, inclusive bombas de emergência, por causa da pressão da direção para cortar custos.
Por tudo isso, Angela Merkel, primeira-ministra da Alemanha, depois de suspender o funcionamento de 7 das 17 usinas do país, declarou no dia 23 que Fukushima mostra que “é melhor abandonar a energia nuclear tão rápido quanto seja possível”. Se não por convicção, terá sido pela necessidade de responder ao discurso dos Verdes, que saltaram de 3% para 7% nas eleições do dia 20 na Saxônia-Anhalt, estado tradicionalmente indiferente a questões ambientais, e de 5% para 25% das intenções de voto para as eleições em Baden-Württemberg, outro tradicional bastião conservador, dia 27.
A usina de Fukushima não estava inteiramente segurada e o custo do desastre, tanto para a Tepco quanto para as pessoas afetadas, deve acabar na conta do governo. Podem ser mais 15 bilhões a 35 bilhões de dólares a somar ao custo da reconstrução do país, cuja primeira estimativa oficial é de 185 bilhões a 308 bilhões de dólares e que, segundo o Banco Mundial, deve demandar cinco anos.
A eficiência japonesa mostrou ter limites. A busca de eficiência, inclusive no uso de espaço, mostrou-se contraproducente ao deixar equipamentos vitais em locais vulneráveis à inundação e acumular perigosamente material radioativo. A especialização e o sistema de produção just-in-time, com estoques baixos, significaram a paralisação quase imediata de linhas de produção em todo o país e também em fábricas japonesas no exterior, visto que mesmo as unidades não afetadas dependiam de fabricantes em áreas expostas ao terremoto, que foram danificadas ou ficaram sem água e energia.
A própria região de Tóquio, coração da economia japonesa, está sujeita a blecautes em rodízio de três horas diárias, além de apagões inesperados. A incerteza no fornecimento mantém muitas indústrias paradas ou em ritmo baixo e forçou hotéis a fechar ou limitar seus serviços. Segundo a Tepco, essa situação deve durar ao menos um ano.
Os itens mais críticos são componentes eletrônicos de alto valor agregado, muitos dos quais produzidos apenas no Japão, que respondia por 57% das bolachas de silício e 20% dos semicondutores do mundo. Embora pesem pouco no custo final, tornaram-se indispensáveis a automóveis, eletrodomésticos, celulares e eletrônicos modernos, japoneses ou não. Não só a Toyota parou toda a produção no Japão e poderá ter de suspendê-la também nos EUA, como a GM foi forçada a parar fábricas na Louisiana e Espanha e reduzir drasticamente seu ritmo na Alemanha e outras partes.
Cresce o descontentamento dos cidadãos com a lentidão do retorno dos serviços básicos de comunicação, transportes, energia e água, e a burocracia estatal herdada de décadas de hegemonia do Partido Liberal-Democrata faz corpo mole para colaborar com o atual governo, do Partido Democrático.
O número oficial de mortos e desaparecidos na quinta 24 chegava a 27,4 mil e tudo indica que ainda vai crescer muito. Socorro, remédios e alimentos custam a chegar a locais isolados. Muitos sobreviventes do terremoto morrem nos hospitais por falta de medicamentos e calefação. Casos de roubo e violência, ainda raros, começam a ser registrados. O governo começa a preocupar-se também com o número de órfãos. As sequelas psicológicas, econômicas e políticas do trauma durarão ainda muitos anos. •
  • Como diz o ditado “O método mais caro e perigoso jamais inventado para ferver água”.
    Outra questão é político-militar, já que a energia nuclear é indefensável do ponto de vista técnico,
    financeiro, e de saúde pública, só sobra a explicação bélica.Todos os países que possuem usinas nucleares, sem exceção, mesmo assinando tratado de não-proliferação,na verdade o fazem de olho no refugo destas usinas que se presta para a fabricação de armas.A geração de energia elétrica não passa de uma fachada para o público, e uma mina de ouro para empreiteiros e concesionárias de energia (que só conseguem operar estes monstros com um monte de subsídios estatais). Somente os franceses são loucos o bastante para basear toda a sua geração de energia elétrica neste método (90%)!
Fonte: http://www.cartacapital.com.br/internacional/um-pais-em-choque-2

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